Ok, feedback sempre foi um procedimento raro, difícil e pouco aproveitado.
Mas hoje, com o distanciamento social e o trabalho remoto (que veio para ficar), penso que essa questão deva merecer maior atenção.
Tudo bem há tantas vantagens no trabalho remoto que nem preciso enumera-las. Sabemos muitas e há outras mais. Mas também ocorrem alguns problemas.
E não é uma questão de um novo normal. Nós seres humanos continuamos com as nossas características e com o nosso sentido de normal. Sem dúvida tenho que me adaptar ás novas situações, mas não posso deixar de lado os meus sentimentos e necessidades emocionais e psicológicas. Continuo sendo Eu.
Há algum tempo tenho me preocupado com questões comportamentais relativos ás necessidades humanas de reconhecimento e atenção. Leiam um dos capítulos: Nem aplausos nem vaias, um silencio de morte, do meu novo livro: Será que minha empresa é assim?
A avassaladora utilização dos meios tecnológicos para comunicação pessoal já interferia decisivamente na qualidade dos relacionamentos. Porém, incentivada atualmente pelos protocolos de segurança da atual pandemia levaram a verdadeiras situações pandêmicas de crise de relacionamentos. Sim, relacionamentos também passam por crises e, quando coletivas, transformam-se em verdadeiras pandemias. Afinal estamos nos referindo á saúde. Saúde mental.
Os sintomas são conhecidos: depressão, quebra da autoestima, insegurança pessoal, improdutividade e tantos outros comportamentos.
Aliás, como já disse Jung: “A solidão é perigosa. É viciante. Uma vez que você se dá conta de quanta paz há nela, já não queres voltar a lidar com as pessoas”.
E são pequenos fatos que nos levam a esse patamar. E um fator preponderante é a falta de feedback.
Entendo que recebo orientações virtuais e acompanho os meus índices. Sim, posso receber comunicações digitais sobre a minha produtividade e sobre o trabalho. Posso até conversar e ver, diariamente se quiser, a minha equipe por algum software de comunicação. É bem interessante!
Mas… não recebo o cumprimento das pessoas com as quais me encontrava quando ia ao escritório. Pessoas como: pessoal de portaria, de limpeza, colegas de outras áreas, amigos pessoais, enfim, gente.
O horário de almoço sempre era um horário de descontração, com outras pessoas, falando sobre tudo, até trabalho, mas não só.
Começo a não sentir o clima da minha empresa. Sinto o clima da minha casa e, ás vezes, o percebo um pouco tenso.
Sinto falta, até, do olhar torto da minha chefia quando me demorava um pouco mais no café com outras pessoas, ás vezes até falando sobre o trabalho.
Sei que faço parte da equipe, mas não tenho tanta convicção assim. Entendo que minha chefia faz um grande esforço para que eu me sinta próximo. Mas não estou!
Ok não se perde mais aquele tempo enorme no trânsito. Mas como fazer para manter minha humanidade.
Não tenho dúvida que o trabalho remoto irá continuar, mas precisamos ter cuidado com o comportamento de pêndulo. Nem muito para lá nem muito para cá.
Serão necessários termos momentos presenciais que deverão cobrir essas ausências (fundamentais para os seres humanos) de relacionamento entre as pessoas.
Tenho repetido que a falta de feedback “cria fantasmas”. Isto é, não conseguimos ficar sem respostas. Quando não nos oferecem uma resposta nós criamos uma resposta para nós. E, normalmente, contaminada por impressões desfavoráveis. Por exemplo: o que é o telefonema ás 3 horas da madrugada? Pois é. Pode ser engano? Mas nunca pensamos nisso. Sempre imaginamos problemas maiores.
Esse fato é particularmente importante no trabalho remoto. Ficamos distantes de qualquer “leitura” sobre o nosso desempenho. Diversos autores já comprovaram que para as pessoas conseguirem progredir elas precisam receber feedbacks sobre seu desempenho e sua proximidade com os acertos.
É aquela minha velha frase: Qual a nossa expectativa após a prova? Ora, a nota, isto é, o feedback!
Outro aspecto é que a nossa autoimagem recebe muita influência em como as outras pessoas nos veem.
Em suma, é um grande desafio e sei que não podemos depender, apenas, das nossas chefias e de seus feedbacks. Também não é fácil para eles!
Por isso precisamos adotar algumas posturas como, por exemplo:
- Da mesma maneira que podemos construir “cenários negativos” também podemos buscar, na memória, fatos que promovam nosso auto reconhecimento de competências e valores. Afinal não estamos na posição em que nos encontramos apenas por acaso. Muita coisa boa foi feita durante o caminho. Essas lembranças irão determinar nossa “defesa” ás perspectivas negativas que imaginamos. Isso irá permitir maior equilíbrio na nossa percepção dos fatos. Essa ação não tem a expectativa de criar um “sentimento falso de otimismo”. Estamos apenas pedindo que Vc dê tanta importância aos seus pontos positivos como dá para os outros pontos. Evidentemente é fundamental analisar a realidade de maneira a mais equilibrada possível. Por isso mesmo é importante manter o equilíbrio entre as pressões a que estamos expostos. Não permita que a ansiedade interfira na sua lógica de análise.
- Na dúvida pergunte. Lógico! Se algo incomoda ou traz insegurança é determinante que se busque um pouco mais de clareza sobre a questão. É fator de produtividade, de engajamento, de espaço para a criatividade e melhores resultados. Por isso é quase que uma obrigação. Ficou em dúvida? Pergunte. A resposta pode até não ser suficiente, mas Você está tentando cumprir com seu melhor posicionamento. E está dando sinais da necessidade de melhores referências.
- Vamos aproveitar a tecnologia. Vamos fazer contatos. Converse com colegas de trabalho, amigos, etc. Sugiro utilizar mais o telefone do que a mídia social ou outro meio apenas escrito. Falar, ouvir a voz e a entonação do outro aproxima um pouco mais. E talvez Vc tenha menos dor na articulação dos dedos. Use as alternativas de vídeos-chamadas para isso. Aproxime-se.
- E lembre-se, Vc não está sozinho nessa questão. Assim como Vc muitos outros enfrentam problemas semelhantes. Sem dúvida o seu problema é único, mas a experiência de outros pode ajuda-lo a pensar de forma mais global. Lembre-se da frase de Jung. “A solidão é perigosa, viciante”. Lute contra essa tendência de isolar-se. Busque alternativas. Siga a melhor conduta para o trabalho remoto, mas aproveite os horários em que Vc não está trabalhando. Tenha vida social. Converse. Faça planos e procure coloca-los em prática já. Não espere as coisas melhorarem. Sua saúde mental não pode esperar que a situação melhore. Vc precisa fazer já.
Vamos aproveitar as oportunidades que a tecnologia nos oferece, mas vamos manter firme o nosso propósito de viver a nossa vida com o máximo de humanidade e convívio. Somos animais sociais e precisarmos preservar a nossa essência.
Bernardo Leite